Política Nacional de Educação Digital propõe mudanças no currículo e na formação de professores

Diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, Claudia Costin, analisa a lei sancionada dia 11 de janeiro

No dia 11 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.533 que institui a Política Nacional de Educação Digital (Pned). A proposta tem quatro eixos de atuação: a inclusão digital, a educação digital escolar, a capacitação e especialização digital e a pesquisa e desenvolvimento em tecnologias da informação e comunicação. Entre as ações previstas estão o estímulo ao letramento digital e informacional nas escolas, assim como a aprendizagem de computação, de programação e de robótica. A lei também fala em promoção da formação inicial de professores da educação básica e da educação superior em competências digitais.

Para entender a importância dessa iniciativa e o impacto que ela pode ter na educação e na sociedade, o blog do Pacto pela Educação conversou com a fundadora e diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, Claudia Costin. A especialista também é professora visitante da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard e cofundadora do Todos Pela Educação. Confira:

Pacto pela Educação – Como a senhora avalia a Lei que Institui a Política Nacional de Educação Digital?

Claudia Costin – A lei é interessante porque dialoga com o século XXI e traz quatro eixos bem importantes: o primeiro, que olha para a sociedade como um todo, pensando em criar uma sociedade capaz de ter conectividade, equipamentos, e também capaz de interpretar dados; o segundo eixo é a educação digital escolar, que passa por preparar os professores para uma prática bem diferente do que simplesmente reproduzir aulas que eram presenciais, no formato online. Passa por uma preparação pedagógica para trazer para a escola a programação, a ciência de dados e o letramento digital. A lei também fala de capacitação em educação digital que dialoga com o mundo do trabalho, para uma atuação mais competente; e, por fim, o quarto eixo traz o fomento à pesquisa científica na área.

Pacto pela Educação – Quais são os principais desafios para a sua implementação?

Claudia Costin – Será uma lei muito desafiadora na sua implementação, por isso, é correto se estabelecer um prazo mais alongado porque o professor não é formado se quer para a prática tradicional que ele adota. Há pouco diálogo no currículo das universidades entre teoria e prática. E não basta o professor desenvolver competência digital. Em tempos de inteligência artificial, o docente terá que ensinar esse aluno a fazer aquilo que os algoritmos não fazem, como desenvolver o pensamento crítico, sistêmico, a capacidade de fazer análises mais aprofundadas e a resolução de problemas com criatividade.

O desafio maior será formar o aluno para esse novo tempo, além de ensinar o pensamento computacional. Além disso, temos um desafio imenso de escolas não conectadas. Já evoluímos um pouco na pandemia, mas temos que avançar mais rápido. Assim como o aluno precisa saber utilizar bem esses equipamentos no processo de ensino e aprendizagem. Devemos abandonar a ideia de laboratório de informática que fica trancado quase o dia todo. Esses equipamentos precisam estar disponíveis permanentemente para os alunos.

Pacto pela Educação – Muito se discute sobre a necessidade de mudanças no currículo da formação inicial de professores, para que esteja mais conectado ao mundo atual. A senhora acredita que a Política Nacional de Educação Digital pode contribuir para acelerar essa mudança?

Claudia Costin – Sem dúvida, porque senão vamos continuar formando professores para um mundo que não existe mais. E uma forma para que isso funcione, e não está referido na lei, é a mudança no formato dos concursos públicos para os professores. Infelizmente essas provas ainda são muito convencionais. Poucos estados e municípios têm adotado formas mais inovadoras, incluindo prova didática e um melhor uso do estágio probatório, que é um momento em que podemos preparar melhor esse professor em uma prática que dialogue com o mundo digital no qual ele está inserido.

Pacto pela Educação – A implementação da Política Nacional de Educação Digital terá um plano com vigência até o ano de 2030. Se bem aplicadas as estratégias que estão descritas na lei, quais resultados a senhora acredita que teremos na educação brasileira a médio e longo prazos?

Claudia Costin – Sou uma pessoa otimista. Evidentemente que a lei sozinha não vai garantir aprendizado para todos. Mas, é importante lembrar que o Brasil é signatário do ODS 4 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável), que estabelece que até 2030 vamos garantir educação de qualidade para todos. Isso quer dizer evitar abandono escolar e tornar a escola mais atrativa é algo que essa lei vai nos ajudar. Isso significa também formar os professores para que eles desenvolvam suas competências (inclusive as socioemocionais) para que eles possam desenvolver em seus alunos.

A lei articulada com a BNCC, e com uma visão diferente, menos conteudista, pode trazer bons resultados. É o que o novo Ensino Médio vem se esforçando (e precisamos que isso também aconteça no Ensino Fundamental). Também precisamos investir em mais escolas de tempo integral, como fazem os países que tem bons sistemas de ensino, porque uma educação com mais “mão na massa” e metodologias ativas não dá para fazer em quatro horas. Precisamos caminhar para um ensino em tempo integral e desenvolvimento integral dos alunos.

A lei sozinha não vai conseguir fazer isso tudo, mas articulada com as outras leis podem nos ajudar a avançar bastante nessa direção.

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